“Se você quer melhorar o mundo, comece fazendo com que as pessoas se sintam mais seguras”
Stephen Porges
PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO
DA TEORIA POLIVAGAL
Embora a definição de estresse nas pesquisas sobre estresse se concentre no papel do sistema nervoso simpático, na perspectiva da teoria polivagal, o sistema nervoso parassimpático, especialmente as interações do nervo vago, é entendido como um modulador da suscetibilidade ao estresse. Nesta teoria propõe-se que o sistema vagal não representa uma dimensão unificada, mas é formado por dois sistemas vagais com origens diferentes no tronco cerebral. Estes são, por um lado, o circuito vagal amielínico, que surge do núcleo motor dorsal, e, por outro lado, o circuito vagal mielinizado, que surge do núcleo ambíguo. O nome Polivagal aborda o foco desta teoria – portanto, às diferentes funções destes dois circuitos vagais.
De acordo com as descobertas de Walter Hess, Porges desenvolveu métodos que extraem padrões de frequência cardíaca batimento a batimento para estudar a influência dos circuitos vagais. Durante a sua carreira acadêmica e científica (1969 até hoje), Porges publicou inúmeros estudos sobre a variabilidade da frequência cardíaca (VFC). Ao longo deste processo de desenvolvimento, uma variedade de hipóteses que investigam mecanismos neurais foram apresentadas.
Ao medir a atividade cardíaca através do tônus vagal, Porges descobriu um novo índice de homeostase que fornece informações sobre a resposta ao estresse e a suscetibilidade ao estresse. Através dos trabalhos de pesquisa efetuados, foram desenvolvidas estratégias de identificação de processos psicológicos e métricas de VFC para utilização de diagnósticos médicos. Todo esse conhecimento adquirido foi incorporado ao modelo teórico abrangente da teoria polivagal de Porges, o qual foi apresentado pela primeira vez em 1995.
Através de uma perspectiva neurobiológica, a teoria polivagal visa descrever conexões entre a perturbação do comportamento social espontâneo e a regulação de estados viscerais. Com este propósito, a teoria Polivagal explica, que além da ativação do sistema nervoso simpático, os processos de resposta adaptativa (com estratégias comportamentais correspondentes) são ativados por duas outras vias independentes integradas ao sistema nervoso parassimpático. Portanto, são descritos três circuitos neurais nesta teoria os quais estão integrados ao sistema nervoso autônomo produzindo respectivamente estratégias comportamentais adaptativas específicas (Biekarck, 2023).
O SISTEMA DE ENGAJAMENTO SOCIAL,
AUTO-REGULAÇÃO
& CO-REGULAÇÃO
Através dos desenvolvimentos evolutivos nas estruturas cerebrais dos mamíferos, especialmente dos primatas, tornou-se possível distinguir entre amigos e inimigos desenvolvendo consequentemente o comportamento defensivo e social. Outra consequência da expansão evolutiva e da complexidade do sistema nervoso é uma gama mais ampla de repertórios afetivos e comportamentais, capacitando assim os humanos expressarem-se emocionalmente, comunicarem-se e comportarem-se socialmente.
A teoria polivagal explica que o complexo vagal ventral, incluindo o núcleo ambíguo, é responsável pela organização do tronco cerebral, bem como pelos processos de atenção, movimento, emoção e comunicação. Esta interconexão recém-surgida descreve a evolução dos mamíferos, que Porges chama de sistema de engajamento social.
De acordo com esta teoria, em contraste com os seus antepassados reptilianos associais, o sistema de envolvimento social dos mamíferos permitiu a supressão de estratégias defensivas do sistema nervoso autónomo para promover o comportamento social.
Além de reprimir as reações de defesa ou desligamento, a teoria polivagal assume que o complexo vagal ventral está relacionado ao controle neural da cabeça e dos músculos faciais responsáveis por executar expressões faciais, movimentos da cabeça e entonações vocais, permitindo assim, sinalizar que estamos abertos a uma comunicação amigável.
Segundo Porges, esse processo evolutivo resultou em uma integração entre o núcleo vagal e os núcleos do tronco encefálico, responsáveis pela regulação dos músculos faciais e da cabeça. Essa conexão recém-surgida permitiu a interação neural bidirecional e a regulação de estados fisiológicos com comportamento de engajamento social espontâneo. Esta integração evolutiva também permitiu que o comportamento social funcionasse como um neuromodulador, uma vez que a sociabilidade tem a capacidade de acalmar as próprias reações defensivas -auto-regulação- bem como de enfraquecer as reações de ameaça da outra pessoa através de sinais sociais -co-regulação-. De maneira que enviamos sinais de segurança ou perigo uns aos outros os quais, inconscientemente, nos encorajam ou desencorajam a redução da distância psicológica e física (Biekarck, 2023).
NEUROCEPÇÃO
De acordo com a teoria polivagal, a avaliação de risco de características ambientais e viscerais é um processo neural inconsciente e involuntário, capaz de desencadear determinados mecanismos de reflexos fisiológicos. Neste processo neural de avaliação de risco, é determinado de forma reflexiva e situacional qual dos três circuitos neurais com suas estratégias comportamentais correspondentemente diferentes (mobilização, imobilização ou engajamento social) é o preferido. O centro de controle que ativa esses três circuitos neurais é denominado por Porges, neurocepção. Independente de processos conscientes, a neurocepção reconhece estímulos ambientais e classifica a situação como segura, insegura ou com risco de vida. A teoria polivagal também assume que os estímulos ambientais só são percebidos conscientemente através de reações de neurocepção, ou seja através da informação sensorial (sensação física).
Além da capacidade de interpretar estímulos ambientais, a neurocepção também possui a capacidade de interagir com estes estímulos. As experiências comunicadas através da sensação física, desencadeiam consequentemente um envolvimento social espontâneo ou mecanismos de defesa. Ademais, o bem-estar físico também pode ser influenciado pelo tom da voz, padrões respiratórios, postura e expressão facial. Como a teoria polivagal pressupõe uma conexão bidirecional entre o cérebro e os órgãos internos, os pensamentos também podem influenciar o nosso bem-estar físico.
Além de suprimir a atividade do sistema nervoso simpático ou a resposta conservadora de imobilização do núcleo vagal motor dorsal, a neurocepção de segurança (neurocepção de características ambientais e viscerais seguras) promove o sistema de engajamento social. Segundo esta teoria, o envolvimento social só é possível se a neurocepção avaliar o ambiente como seguro. Quando ocorre a neurocepção de perigo, o organismo é ativado e colocado em estado de estresse provocando uma desorganização da estrutura rítmica do sistema nervoso autônomo. Finalmente pode-se concluir que, a neurocepção está envolvida tanto na regulação da homeostase viceral quanto no sucesso do comportamento social (Biekarck, 2023).